Viagem
Fantástica através da Memória
Matéria de Humberto Trezzi para o caderno Vida
Zero Hora
de 20 de setembro de 1992
Penumbra,
música new age e almofadas coloridas espalhadas pela sala. Cláudia está deitada
num colchonete, olhos fechados, coberta por uma manta. Acaba de ser submetida à
técnica de relaxamento mental. A respiração é quase inaudível e seu corpo está
gelado, apesar do cobertor. Sentada ao lado dela, em posição de flor-de-lótus,
está a psicóloga Marilice Cachapuz.
-
O que se passa?
-
Está quentinho. Não quero sair daqui.
Mais
um momento e explode em choro convulsivo, com o rosto contraído em evidente
desespero. A psicóloga recomenda calma, diz que o útero é assim, assegura que
está tudo bem. Encosta a mão no peito da moça e avisa que vai lhe passar
energia. Como que por encanto a face da paciente se descontrai. Ela se acalma,
sorri e chora.
Marilice
obtém concordância para prosseguir. O choro passa, mas a temperatura do corpo é
cada vez mais baixa.
- Avise se
surgir alguma imagem. Vamos tentar uma vida anterior.
A
partir daqui, a viagem é clandestina.
A ciência só admite regressão até a gestação. Psicóloga e paciente, porém, vão
ultrapassar esse sinal vermelho para mergulhar na névoa cinzenta da
experimentação, acompanhadas pelo reporte Humberto Trezzi.
Depois de tentar, em vão, obter respostas satisfatórias na terapia convencional, a psicóloga Marilice Cachapuz decidiu fazer a paciente Cláudia Dornelles regredir a uma vida passada. Primeiro ela passa pelo período que a ciência chama de regressão de idade. Logo após o trauma do parto e o choro, uma visão nova. Os 10 segundos seguintes demoram a passar. Cláudia afirma então que avistou um túnel, trancado por uma porta.
-
Tenta passar. Você pode, incentiva a
psicóloga com voz firme.
Passa-se
outro intervalo até que Cláudia comemora em voz alta:
-
Consegui.
A
narrativa prossegue desenfreada, a jovem vomita frases soltas.
-
A casa é grande, um baile, estou
dançando. Tudo gira, estou tonta. Fugi de casa para me divertir. Danço com um
homem mais velho.
-
Você fugiu do marido para estar com
outro?
-
Só para me divertir, adoro dançar e ele
não quer que eu saia. Sou muito fraca, doente. Nunca me deixam sair de casa.
Cláudia
se vê dentro de um vestido longo e observa uma orquestra, que toca música
clássica. – Há uma roda de mulheres
falando de mim. Dizem que sou louca por deixar meu marido para vir dançar.
-
Que língua as mulheres falam?
-
Inglês. Estou na Escócia. Tenho 20 anos
de idade.
A
psicóloga pede uma data. Cláudia vê um número na cabeceira de uma cama. É 1902.
Silêncio
na sala. Cláudia se agita.
-
Estou tonta, vou desmaiar. Me levam para
casa. Ninguém sabe o que eu tenho.
O
choro volta forte.
- Não posso ter filhos, quero tanto. Estou
fraca. Minha vida não tem graça, nem posso viajar.
A
psicóloga pergunta como tudo terminou.
-
Remédio. Tomei bastante. Não tenho mais
esperança de sair. Planejei isso.
Cláudia
coloca as mãos na garganta e começa a tossir, como se estivesse sufocando. O
desconforto da paciente faz com que Marilice decida encerrar a sessão. Pede que
a moça se concentre em uma luz violeta que simboliza mudança.
-
Te despede dessa experiência negativa.
Respira fundo. Sente o peso do corpo, parte por parte. Volta à vida.
Cláudia
abre os olhos, pondo fim ao transe.
Nota: A bancária Cláudia Dornelles, 28 anos, se submeteu à terapia de regressão de
forma voluntária, e não conhecia a psicóloga Marilice Cachapuz antes deste
primeiro contato, ocorrido no Centro de Terapia Holística. Ambas foram
apresentadas pela equipe de Zero Hora.
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